quinta-feira, 14 de julho de 2016

Uma verdade inconveniente

Philip Low é investigador na Universidade Stanford e no MIT (Massachusetts Institute of Technology), ele e mais 25 investigadores entendem que as estruturas cerebrais que produzem a consciência nos seres humanos também existem nos animais: “As áreas do cérebro que nos distinguem de outros animais não são as que produzem a consciência”.
De seguida apresentam-se excertos de uma entrevista dada por Philip Low.

Estudos sobre o comportamento animal já afirmam que vários animais possuem certo grau de consciência. O que a neurociência diz a respeito?
Philip Low: Descobrimos que as estruturas que nos distinguem de outros animais, como o córtex cerebral, não são responsáveis pela manifestação da consciência. Se o restante do cérebro é responsável pela consciência e essas estruturas são semelhantes entre seres humanos e outros animais, como mamíferos e pássaros, concluímos que esses animais também possuem consciência.

Quais animais têm consciência?
Philip Low: Sabemos que todos os mamíferos, todos os pássaros e muitas outras criaturas, como o polvo, possuem as estruturas nervosas que produzem a consciência. Isso quer dizer que esses animais sofrem. É uma verdade inconveniente: sempre foi fácil afirmar que animais não têm consciência. Agora, temos um grupo de neurocientistas respeitados que estudam o fenômeno da consciência, o comportamento dos animais, a rede neural, a anatomia e a genética do cérebro. Não é mais possível dizer que não sabíamos.

Que tipo de comportamento animal dá suporte à ideia de que eles têm consciência?
Philip Low: Quando um cão está com medo, com dor, ou feliz são ativadas no seu cérebro estruturas semelhantes às que são ativadas nos humanos quando demonstramos medo, dor e prazer. Um comportamento muito importante é o autorreconhecimento no espelho. De entre os animais que conseguem fazer isso, além dos seres humanos, estão os golfinhos, chimpanzés, bonobos, cães e um pássaro chamado pica-pica.

O que pode mudar com o impacto dessa descoberta?
Philip Low: Os dados são perturbadores, mas muito importantes. No longo prazo, penso que a sociedade dependerá menos dos animais. Será melhor para todos. A probabilidade de um remédio proveniente de testes efetuados em animais ser testado em humanos (apenas testado, pode ser que nem funcione) é de 6%. É uma péssima probabilidade. Um primeiro passo é desenvolver abordagens não invasivas. Não acho ser necessário tirar vidas para estudar a vida. Penso que precisamos apelar para nossa própria engenhosidade e desenvolver melhores tecnologias para respeitar a vida dos animais. Temos que colocar a tecnologia numa posição em que serve os nossos ideais, em vez de competir com eles.
www.td.org

terça-feira, 12 de julho de 2016

Journal On Animal Feeling

Uma publicação científica pode incentivar a realização de investigações novas, criar comunidades novas de investigadores e contribuir para estabelecer novas áreas de conhecimento. Por exemplo, a ciência cognitiva nasceu em 1978, quando Stevan Harnad implementou a publicação Behavioral and Brain Sciences

Stevan Harnad lançou agora a Animal Sentience: An Interdisciplinary Journal on Animal Feeling que se dedica ao estudo da senciência animal (o que os animais sentem, como e porquê), em sistema open access e com artigos publicados na internet. Os primeiros artigos foram dedicados à dor nos peixes (sentem dor? como podemos saber?), bem como ao luto nos animais.


"The inaugural issue launches with the all-important question (for fish) of whether fish can feel pain. The members of the nonhuman species under discussion will not be able to join in the conversation, but their spokesmen and advocates, the specialists who know them best, will." - Stevan Harnad

terça-feira, 24 de maio de 2016

Uma Ciência mais Rigorosa

“Um animal que seja a menos (experimentado) já vale a pena. Assim tudo o que reduza o número de animais nesta prática é um passo enorme” – Constança Carvalho, Sociedade Portuguesa para a Educação Humanitária (Conferência Experimentação Animal - A dissecação de um mito).

“É lamentável que estejamos ainda no ponto do bem-estar animal e não no ponto das alternativas à experimentação com animais” – Alexandra Pereira, Veterinária Municipal de Sintra (Conferência Experimentação Animal - A dissecação de um mito).

“Há uma enorme dificuldade por parte dos investigadores em utilizar métodos de experimentação alternativos. As instituições e a comunidade científica continuam a exigir dados validados nesta muleta mais que partida” – Luísa Bastos, Investigadora em Engenharia Biomédica (Conferência Experimentação Animal - A dissecação de um mito).

No dia 8 de maio de 2015, no decorrer da II Conferência Internacional de Alternativas à Experimentação Animal (www.icaae.com), foi formulada a Declaração de Lisboa pelo Doutor Philip Low, Doutor Andrew Knight e Doutor João Barroso.

A Declaração de Lisboa foi assinada pelos presentes (diversos cientistas que trabalham ativamente com modelos animais e modelos alternativos) e constituiu um consenso na comunidade científica no que diz respeito à necessidade de uma maior transparência e objetividade na ciência que recorre a modelos animais, salientando ainda a importância de avaliar objetivamente os custos e benefícios desses projetos científicos.

A Declaração recomenda que os animais utilizados em procedimentos científicos sejam filmados permanentemente, sendo as filmagens disponibilizadas sempre que solicitadas para consulta por comités de ética institucionais e independentes, entidades financiadoras e autoridades legais.
Esta medida garantirá o cumprimento dos protocolos aprovados, maximizando o bem-estar animal e o retorno do investimento público neste tipo de investigação.

No sentido de apelar por uma ciência mais rigorosa foi constituída uma petição que solicita (http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT77270):

- Obrigatoriedade da existência de Comités de Ética em todos os laboratórios de investigação e instituições de ensino superior que utilizam modelos animais;

- Obrigatoriedade da existência de filmagens permanentes de todos os animais utilizados em procedimentos científicos, durante e entre as intervenções;

- Obrigatoriedade de disponibilizar as filmagens sempre que solicitadas pelos Comités de Ética, nacionais e independentes, entidades financiadoras e autoridades legais;

- Obrigatoriedade da existência de uma escala objetiva e uniforme que permita a todos os Comités de Ética avaliar o nível expetável de sofrimento dos animais envolvidos;

- Obrigatoriedade de elaboração de um relatório público das experiências realizadas com animais, até um máximo de 3 anos após a execução das mesmas;

- Criação de uma base de dados nacional de especialistas de diversas áreas de saúde humana, de modo a que os comités de ética possam selecionar os especialistas mais relevantes para oferecer um parecer vinculativo acerca da utilidade expetável da experiência proposta.


“Vai-se defendendo que não devemos utilizar chimpazés pela similitude com o ser humano. Mas com os ratos partilhamos 99,2% do nosso ADN, com os sapos 96%...onde se situa a fronteira da familiaridade? Onde termina a senciência?" – Luís Vicente, Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Conferência Experimentação Animal - A dissecação de um mito).

terça-feira, 19 de abril de 2016

Criminalização de maus tratos a animais de companhia – Perspetivas quanto à aplicação da nova legislação

Se hoje não é mais possível sustentar seriamente que os animais são máquinas e, como tal, incapazes de experimentar dor ou sofrimento, não é menos verdade que o respetivo estatuto jurídico nem sempre acompanhou as evidências científicas.

A senciência dos animais é inquestionável, abrangendo as espécies compreendidas na Declaração de Cambridge de 2012 – mamíferos, aves e moluscos cefalópodes; tratando-se de um conceito aberto e dependente dos avanços do conhecimento científico.
A capacidade de sofrimento dos animais tem sido apontada como fundamento da consideração ética que lhes é devida, bem como do interesse no não-sofrimento e respetiva tutela.
Recorde-se a célebre observação do utilitarista oitocentista, Jeremy Bentham, sublinhando que a questão relevante não é se os animais podem raciocinar ou falar, mas sim se podem sofrer.
“The question is not, Can they reason? nor, Can they talk?
but, Can they suffer?”

Em Portugal, os animais continuam a ser designados e tratados como “coisas” pelo Código Civil, que data de 1966 e praticamente se mantém inalterado a esse respeito.
A falta de um estatuto jurídico próprio para os animais não constituiu obstáculo a alguma intervenção penal, materializada na neocriminalização de condutas de abandono e de violência injustificada contra certos animais, mediante a aprovação da recente Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto.

De referir que a criminalização de condutas de violência injustificada contra os animais vem merecendo consenso alargado nas sociedades civis e é hoje a realidade jurídico-positiva de vários países que integram a União Europeia, como Alemanha, Áustria, Reino Unido, França e Espanha.
Aspetos positivos da Lei n.º 69/2014

Esta lei constitui um marco histórico do direito animal, em Portugal, no âmbito da proteção dos animais, tendo sido aditados ao Código Penal dois novos tipos de ilícito que punem os maus tratos e o abandono (inseridos num título designado “Dos crimes contra animais de companhia”).
Não se pode continuar a ignorar que a violência contra animais está intrinsecamente relacionada com a violência inter-relacional e que o abandono constitui um verdadeiro flagelo, com sérias repercussões para a integridade e saúde dos animais e para a saúde pública. Ademais, aos novos tipos de ilícito contra animais foi atribuída a natureza de crimes públicos, agilizando e reforçando a ação penal.

Aspetos problemáticos ou insuficientes
A restrição da tutela penal aos “animais de companhia”: alguns animais são mais animais do que outros…

A principal objeção à Lei n.º 69/2014 reside no seu limitado âmbito de aplicação, uma vez que abrange apenas os chamados “animais de companhia”. Assim, para efeitos de determinação dos animais protegidos, o legislador optou por um critério utilitarista, sendo exigível que se trate de animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos para entretenimento e companhia destes.
Sem prejuízo de se reconhecer a importância crucial dos “animais de companhia” para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, entende-se que o crime de maus tratos devia abranger todos os animais sencientes ou, pelo menos, os animais vertebrados.

Não é curial que, perante as mesmas condutas de desvalor e de violência injustificada, se discriminem os animais agredidos em função da sua utilidade social, privilegiando os que façam companhia e entretenham.
De referir o parecer proferido pelo Conselho Superior da Magistratura na parte em que considera que “à semelhança do que acontece na Lei de Proteção dos Animais alemã, deveria caber a violência ou os maus tratos injustificados sobre qualquer animal vertebrado e não apenas sobre os animais de companhia”. Assim, “não se compreende a razão para se considerar legítima a exclusão do âmbito da proteção da norma, os casos de violência ou maus tratos injustificados infligidos a um burro, a uma vaca, a um cavalo ou a um veado”.

A exclusão dos maus tratos psicológicos
São previstas e punidas as condutas dolosas consistentes em infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos. Desta forma, o legislador excluiu da previsão penal as condutas causadoras de dor ou sofrimento psicológico, nomeadamente, stresse intenso.

Acresce que grande parte dos maus tratos sofridos pelos “animais de companhia” e das queixas informais devem-se às deficientes condições em que são alojados e mantidos, não dispondo das condições e do espaço adequados às suas necessidades fisiológicas e etológicas.
Não se vislumbra que seja menos grave manter um animal, como um cão ou um gato, enfiados em jaulas de dimensões exíguas ou presos, a céu aberto, por meio de corrente de escasso comprimento, durante semanas, meses, anos, a fio, do que açoitar o mesmo animal.

Ausência de penas acessórias específicas
Tendo em conta que o Código Penal não prevê qualquer pena acessória, seria conveniente a inclusão de pena de interdição de detenção de animais e de exercício de qualquer profissão ou atividade relacionada com animais.

É que ainda que o arguido seja acusado, e venha a ser condenado, pela prática de um crime de maus tratos a “animal de companhia”, não há sanção acessória que possibilite a perda do animal a favor do Estado ou a favor de alguma associação de proteção animal.
O que, por sua vez, origina novas questões e problemas relativamente ao bem-estar físico e psicológico desses animais. Não basta criminalizar e remover o animal do agressor, é também necessário criar condições para a assegurar o seu bem-estar futuro.
 

 
 






Fonte: Moreira, Alexandra Reis (2015), Perspetivas quanto à aplicação da nova legislação, Atas da Conferência “Animais: Direitos e Deveres”, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas.