quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Teoria dos Direitos Animais (Humanos e Não-Humanos)

A teoria dos direitos animais de Tom Regan (foi professor de Filosofia da Universidade da Carolina do Norte) fundamenta os direitos morais de animais humanos e não-humanos a partir do princípio de igualdade. O que os seres humanos e os animais (e.g. mamíferos) possuem em comum é o facto de serem sujeitos de uma vida (“subjects-of-a-life”) – indivíduos sensíveis e conscientes de si mesmos. A partir desta condição, postula-se o igual valor inerente de todos os sujeitos de uma vida, traduzido em direito de ser respeitado e não ser tratado como meio para um fim.
 
Todos os seres humanos possuem valor inerente e o direito de serem tratados com respeito porque são “sujeitos de uma vida”: são seres que têm valor para além de sua utilidade para outrem. Assim, se os direitos humanos podem ser fundamentados, não se justifica a exclusão dos animais (preconceito especista).
 
Por outro lado, apenas se os critérios adotados para a atribuição de direitos aos animais forem aceites (sensibilidade e consciência) é que se podem legitimar os direitos humanos, evitando critérios de exclusão como linguagem e racionalidade ou capacidade de reivindicar direitos.
 
O chamado “argumento dos casos não-paradigmáticos” defende que os animais devem ser incluídos na esfera moral, a partir da reflexão sobre a atribuição de direitos a todos os seres humanos. Este argumento responde à alegação de que o status moral deriva da posse de uma determinada qualidade ou capacidade (e.g. racionalidade, linguagem). Na prática, indivíduos que não possuem aquela qualidade (e.g. crianças, deficientes mentais, idosos senis) continuam a possuir status moral.
 
“Não-paradigmático” refere-se, pois, àqueles que não têm o que é paradigmático no ser humano, assim, os animais têm direitos porque os humanos não-paradigmáticos têm esses direitos.
 
O erro fundamental da relação entre animais humanos e não-humanos é que os segundos sejam tratados pelos primeiros como meras “coisas”, “recursos” utilizáveis para a satisfação de interesses. De acordo com Tom Regan, alguns animais possuem uma complexidade psicológica que os torna “sujeitos de uma vida”, o que implica que possuem valor inerente e têm direitos, entre os quais o de serem tratados com respeito.
 
TODOS (animais e seres humanos) somos “sujeitos de uma vida”, ou seja, TODOS (animais e seres humanos) somos “criaturas conscientes que possuem um bem-estar individual que tem importância para nós independente da nossa utilidade para os outros”.
Assim, todos os “sujeitos de uma vida”, por uma questão de justiça, têm o direito moral básico de serem tratados com respeito, de modo que se reconheça seu valor inerente.
 
 
Fontes:
Cardoso, Waleska Mendes (2011), Considerações sobre a teoria incidental dos direitos dos animais de Tom Regan, Semana Acadêmica do PPG em Filosofia da PUCRS - VIII Edição.
Oliveira, Gabriela Dias (2004), A teoria dos direitos animais humanos e não-humanos, de Tom Regan, ethic@, Florianópolis, v.3, n.3, p. 283-299.

sábado, 15 de novembro de 2014

Código Civil, “Coisas” e Animais

No Código Civil português os animais são considerados “coisas móveis”, conforme os art.º 204.º, 205.º, 1318.º e 1323.º. Esta posição jurídica dos animais tem consequências no seu estatuto quotidiano, nomeadamente na salvaguarda dos seus direitos e bem-estar. Assim, o Direito português encontra-se ainda apartado da consciência social e a prática das pessoas.
Do meu humilde ponto de vista parece-me escandaloso sequer sugerir que qualquer ser vivo, denominado “animal”, possa confundir-se com entidades classificadas como “coisas”! Animais não são objetos inanimados, são seres sencientes (com capacidade de sofrer, sentir, antecipar vivências, com capacidades cognitivas, emocionais e sociais complexas).
De salientar que, em 2012, foi apresentado para discussão e aprovação na Assembleia da República, o Projeto de Lei 173/XII que tinha por objetivo alterar o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais. No entanto, aquele Projeto de Lei foi rejeitado.

Contudo, verifica-se que alguns Estados conferem proteção aos animais a nível constitucional, destacando-se as Constituições suíça, alemã e brasileira.

A Constituição da República Federal do Brasil (art.º 225, §1º) refere: “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Na União Europeia, a legislação que visa a proteção jurídica do animal é algo densa e inclui o Protocolo Anexo ao Tratado de Amsterdão Relativo ao Bem-Estar Animal. Em 1978, a UNESCO aprovou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais.

A Áustria aprovou, em 1988, a lei federal sobre o estatuto jurídico do animal no direito civil. Assim, o Código Civil austríaco refere no § 285: “Os animais não são coisas; estes são protegidos mediante leis especiais. As normas relativas às coisas são aplicáveis aos animais, na medida em que não existam disposições divergentes”.

Na Alemanha, em 1990, foi introduzido no Código Civil o § 90: “Os animais não são coisas. Eles serão protegidos por legislação especial. As normas relativas às coisas serão correspondentemente aplicáveis aos animais, salvo disposição em contrário”.

Em França, o Code Civil parte do conceito dos bens, os quais divide em móveis e imóveis, e distingue claramente os animais dos objetos (art.º 524). O Direito penal francês reconhece, desde 1992, que as infrações contra os animais se devem estabelecer de forma separada das infrações contra os bens.

Na Suíça, a lei de 4 de outubro de 2002, introduziu alterações profundas no ordenamento jurídico, no sentido de os animais deixarem de ser considerados juridicamente coisas. De acordo com o Código das Obrigações suíço, o dono ou os seus familiares têm direito a uma indemnização pelo “valor de afeição” no caso de ferimento ou morte do animal de companhia.

Um Código Civil que afirma “os animais não são coisas”, como o austríaco, o alemão, o francês e o suíço, dá mais possibilidade para se proceder à defesa dos animais do que um que refere: “Podem ser adquiridas por ocupação os animais e outras coisas móveis” - art.º 1318.º do Código Civil português.

Miguel Romão (2010), professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mencionou que: “ao criar a figura do animal no Código Civil, para além da proteção penal que exista sobre ele, que essencialmente está feita em função das pessoas que são seus donos, cria-se uma proteção do próprio animal”, e, “Se o animal deixa de ser uma ‘coisa’, não é que deixe de poder ter dono, mas tem determinados direitos que resultam da sua qualificação como ‘animal’ e não apenas do facto de ser propriedade de alguém”.

Outro aspeto muito importante a ter em conta é que as referidas normas devem proteger todos os animais e não apenas os animais de companhia, o que implicaria um especismo sem justificação.
O critério deve ser a senciência e as normas devem abranger todos os animais sencientes e não apenas os animais de companhia, conforme plasmado na Declaração de Cambridge e no artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [“Na definição e aplicação das políticas da União (…) os Estados-Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis (…)”].
E não esquecer que ao respeitar os outros animais e defender os seus direitos promove-se, de forma reforçada, a proteção e a dignidade dos seres humanos, especialmente os que se encontram em situação de vulnerabilidade.


Fontes:
Pereira, André Gonçalo Dias, “O bem-estar animal no direito civil e na investigação científica”.
Estatuto dos animais como “coisa” no Código Civil (2010).

sábado, 1 de novembro de 2014

Sim, os Animais Pensam!

Os animais pensam? “Of course they do. How could they not think and manage to survive in the world?” - Marc Hauser, Professor de Psicologia em Harvard.

No outro dia fui a uma aula de treino canino, supostamente baseada em métodos científicos de ensino, em que o formador começou por perguntar quem dos presentes achava que os cães pensam. Alguns (muito poucos, entre os quais me incluo) levantaram prontamente a mão em sinal de resposta afirmativa. Logo de seguida, o formador disse que não, que estávamos errados, que os cães não pensam, de maneira nenhuma, mas que apenas aprendem por instinto.

Não sou investigadora (já fui, há uns bons anos, bolseira de investigação, mas na área de fitotecnia), nem neurocientista, mas leio a respeito deste e outros temas, e atrevo-me a afirmar que os cães pensam… melhor, os animais pensam.

Os livros de António Damásio (neurocientista) referem que os animais experienciam emoções e sentimentos, e que pensam.

“(…) o facto de um dado organismo possuir uma mente significa que ele forma representações neurais que se podem tornar em imagens que são manipuladas num processo chamado pensamento, o qual acaba por influenciar o comportamento em virtude do auxílio que confere em termos de previsão do futuro, de planificação (…) e da escolha da próxima ação” – em O Erro de Descartes.

Recentemente, começou a ser utilizada no estudo do comportamento e emoções dos cães uma técnica não invasiva, a ressonância magnética funcional, tendo-se chegado à conclusão que o cérebro dos cães funciona como o cérebro humano, partilhando as mesmas estruturas básicas e incluindo uma região cerebral associada com emoções positivas.

“Espantosamente” (para mim não é espanto nenhum), já em 1983 Konrad Lorenz (etólogo) tinha mencionado que a mente animal, nos seus mecanismos mais íntimos, era semelhante à nossa.

Para a comunidade científica já não se trata de perguntar se os animais pensam, mas como pensam. Os animais poderão ter processos mentais diferentes dos nossos, mas não há dúvida que pensam.

Nicholas Dodman (médico veterinário) refere o seguinte: “Em relação aos animais, a inteligência, as emoções e a consciência de si próprio sempre foram temas altamente controversos que levaram séculos de debate relativamente infrutífero, até agora. Nos últimos quinze anos, continuaram a surgir evidências que apoiam a convicção de que os animais são seres pensantes e sencientes, que se apercebem das suas circunstâncias e estados emocionais, bem como os de outros”.

Admitir e aceitar esta realidade implica que muitas das atitudes do chamado “ser humano” para com os animais sejam muito mais censuráveis e inadmissíveis.



Fontes:
Damásio, António (1994), O Erro de Descartes – Emoção, razão e o cérebro humano, Círculo de Leitores.
Dodman, Nicholas (2002), Só lhes falta falar – Histórias de cães, de gatos e das suas pessoas, Pergaminho.
Lorenz, Konrad (1983), E o Homem encontrou o Cão, Relógio d’Água.