No
Código Civil português os animais são considerados “coisas móveis”, conforme os
art.º 204.º, 205.º, 1318.º e 1323.º. Esta posição jurídica dos animais tem consequências
no seu estatuto quotidiano, nomeadamente na salvaguarda dos seus direitos e
bem-estar. Assim, o Direito português encontra-se ainda apartado da consciência
social e a prática das pessoas.
Do
meu humilde ponto de vista parece-me escandaloso sequer sugerir que qualquer ser
vivo, denominado “animal”, possa confundir-se com entidades classificadas como
“coisas”! Animais não são objetos inanimados, são seres sencientes (com capacidade de sofrer, sentir, antecipar vivências, com capacidades
cognitivas, emocionais e sociais complexas).
De
salientar que, em 2012, foi apresentado para discussão e aprovação na
Assembleia da República, o Projeto de Lei 173/XII que tinha por objetivo alterar
o Código Civil, estabelecendo um estatuto jurídico dos animais. No entanto,
aquele Projeto de Lei foi rejeitado.
Contudo,
verifica-se que alguns Estados conferem proteção aos animais a nível
constitucional, destacando-se as Constituições suíça, alemã e brasileira.
A
Constituição da República Federal do Brasil (art.º 225, §1º) refere: “proteger a fauna e a flora, vedadas, na
forma da lei, as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Na
União Europeia, a legislação que visa a proteção jurídica do animal é algo densa
e inclui o Protocolo Anexo ao Tratado de Amsterdão Relativo ao Bem-Estar Animal.
Em 1978, a UNESCO aprovou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais.
A
Áustria aprovou, em 1988, a lei federal sobre o estatuto jurídico do animal no direito
civil. Assim, o Código Civil austríaco refere no § 285: “Os animais não são coisas; estes são protegidos mediante leis
especiais. As normas relativas às coisas são aplicáveis aos animais, na medida
em que não existam disposições divergentes”.
Na
Alemanha, em 1990, foi introduzido no Código Civil o § 90: “Os animais não são coisas. Eles serão protegidos por legislação
especial. As normas relativas às coisas serão correspondentemente aplicáveis
aos animais, salvo disposição em contrário”.
Em
França, o Code Civil parte do
conceito dos bens, os quais divide em móveis e imóveis, e distingue claramente
os animais dos objetos (art.º 524). O Direito penal francês reconhece, desde
1992, que as infrações contra os animais se devem estabelecer de forma separada
das infrações contra os bens.
Na
Suíça, a lei de 4 de outubro de 2002, introduziu alterações profundas no
ordenamento jurídico, no sentido de os animais deixarem de ser considerados juridicamente
coisas. De acordo com o Código das Obrigações suíço, o dono ou os seus familiares
têm direito a uma indemnização pelo “valor de afeição” no caso de ferimento ou
morte do animal de companhia.
Um
Código Civil que afirma “os animais não são coisas”, como o austríaco, o
alemão, o francês e o suíço, dá mais possibilidade para se proceder à defesa dos
animais do que um que refere: “Podem ser
adquiridas por ocupação os animais e outras coisas móveis” - art.º 1318.º
do Código Civil português.
Miguel
Romão (2010), professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
mencionou que: “ao criar a figura do
animal no Código Civil, para além da proteção penal que exista sobre ele, que
essencialmente está feita em função das pessoas que são seus donos, cria-se uma
proteção do próprio animal”, e, “Se o
animal deixa de ser uma ‘coisa’, não é que deixe de poder ter dono, mas tem determinados
direitos que resultam da sua qualificação como ‘animal’ e não apenas do facto
de ser propriedade de alguém”.
Outro
aspeto muito importante a ter em conta é que as referidas normas devem proteger
todos os animais e não apenas os animais de companhia, o que implicaria um
especismo sem justificação.
O critério deve ser a senciência e as normas devem abranger todos os
animais sencientes e não apenas os animais de companhia, conforme plasmado na
Declaração de Cambridge e no artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia [“Na definição e aplicação
das políticas da União (…) os Estados-Membros terão plenamente em conta as
exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis (…)”].
E
não esquecer que ao respeitar os outros animais e defender os seus direitos promove-se,
de forma reforçada, a proteção e a dignidade dos seres humanos, especialmente
os que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Fontes:
Pereira, André Gonçalo Dias, “O
bem-estar animal no direito civil e na investigação científica”.
Estatuto dos animais como “coisa” no
Código Civil (2010).
Nenhum comentário:
Postar um comentário