sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Emoções e Sentimento – Parte II

À medida que se desenvolvem e interagem, os organismos ganham experiência factual e emocional com diversos objetos e situações do ambiente, tendo assim oportunidade de associar muitos objetos e situações que poderiam ter permanecido emocionalmente neutros, com os objetos e as situações que causam emoções naturalmente. A forma de aprendizagem conhecida por condicionamento é uma das maneiras de obter esta associação.

A infiltração da emoção no nosso desenvolvimento e na nossa experiência quotidiana, liga virtualmente qualquer objeto ou situação da nossa experiência, pela força do condicionamento, aos valores fundamentais da regulação homeostática: recompensa ou castigo; prazer ou dor; aproximação ou afastamento; vantagem ou desvantagem; e, inevitavelmente, bem (no sentido de sobrevivência) ou mal (no sentido de morte).

A emoção e o mecanismo biológico que lhe é subjacente são os companheiros obrigatórios do comportamento, consciente ou não.
Um exemplo: quando em presença de uma fonte de alimento ou sexo um animal desenvolve um comportamento de aproximação e exibe manifesta alegria; bloquear o seu caminho e impedi-lo de conseguir os seus objetivos causará frustração e até zanga, uma emoção muito diferente da felicidade. O indutor da zanga não é a expetativa de comida ou do sexo, mas sim do impedimento do comportamento que conduzia o animal para o consumar da boa expetativa. Outro exemplo seria a suspensão súbita de uma situação de castigo, o que induziria bem-estar e até alegria.

De facto, podemos encontrar a configuração básica das emoções nos organismos simples, mesmo nos organismos unicelulares, e até somos capazes de atribuir determinadas emoções, como a felicidade, o medo ou a cólera, a criaturas muito simples. Fazemos essas atribuições de emoção baseando-nos apenas nos movimentos do organismo, na velocidade de cada ato, no n.º de atos por unidade de tempo ou no estilo dos movimentos. Tal deve-se a que a emoção, como o nome indica, tem a ver com o movimento, com um comportamento tornado externo, com certas orquestrações de reações a uma dada causa, num dado meio ambiente.

Um dos seres vivos que mais contribuiu para o progresso da neurobiologia é um caracol marinho Aplysia californica. Têm sido realizados grandes avanços no estudo da memória utilizando este caracol gigante que pode não ser dotado de uma grande inteligência, mas tem numerosos comportamentos interessantes e um sistema nervoso decifrável do ponto de vista científico. O Aplysia não tem sentimentos como nós, mas tem qualquer coisa que não é dissemelhante das emoções.

Dor e prazer fazem parte de duas genealogias diferentes da regulação vital. A dor está alinhada com o castigo e associada com comportamentos como o recuo e a imobilização. O prazer está alinhado com a recompensa e associado a comportamentos como a curiosidade, a procura e a aproximação.

O castigo leva os organismos a fecharem-se sobre si mesmos, imobilizando-se e retraindo-se do seu meio ambiente. A recompensa leva os organismos a abrirem-se para o exterior, explorando os seus limites e, ao fazê-lo, aumentando simultaneamente, tanto a sua capacidade de sobrevivência, como a sua vulnerabilidade.
Esta dualidade fundamental é manifesta numa criatura tão simples e tão não-consciente como a anémona-do-mar. A essência da alegria e da tristeza, da aproximação e da fuga, da vulnerabilidade e da segurança, são visíveis na simples dicotomia do seu comportamento.


Bibliografia: Damásio, António (2000), O Sentimento de Si - O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência, Publicações Europa-América.

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